Continuação do texto "A Ilusão do Eu"
Não está na lógica a percepção
de uma possível emancipação do
pequeno eu. Eis então o flagelo do
pseudoconsciente, acreditar que é superior ao ego, que é superior a uma parte de si mesmo,
perpetuando sua fragmentação.
Sendo o
pequeno eu uma extensão do Eu Profundo, nele está
abrigada a própria manifestação do não-manifestado. Logo, sendo um canal
para a expressão do divino, estar superior ao ego é estar, em termos
diretos, não mais vivo. Vê-se então a impossibilidade de matar o ego,
pois sendo a própria tradução do não linear, sua inexistência anularia
completamente a vida.
Veja que me refiro à mente como um todo, não aos seus condicionamentos.
Eis então a nossa proposta para que haja uma trindade harmônica na vida
de cada ser humano: O Eu Profundo, o mundo e o
pequeno eu.
Quando há somente o primeiro (a existência em si), não pode haver vida física, a linguagem é
incompatível, por isso necessita de um ponto de referência. Quando esse
ponto é neutro, dizemos que não existe intermediário, apenas tradutor.
Logo, a existência da mente é necessária; seu descontrole é que não.
Quando descontrolada, torna-se intermediária, torna-se uma voz ativa que
teima em distorcer a tradução.
O ego não existe por si só. Se você meditar profundamente sobre um determinado ego("eu"), vai perceber que ele se desvanece como uma nuvem. Ele não possui essência, não tem nada de concreto, é apenas uma associação de pensamentos que adquire uma personalidade própria. É como um fluir de pensamentos e emoções que se enredam e assumem a ilusão de ser alguma coisa real. Todos os egos são apenas associações de pensamento, assumem uma personalidade e quando estão no comando temos tanta certeza de sua existência que pensamos: este sou eu, eu sou assim, eu quero isso, eu não quero aquilo, é minha opinião. Porém, nada mais falso, são apenas pensamentos agrupados e associados que assumem vida própria e por alguns momentos acabam por assumir o comando.

O mundo, segundo elemento, não precisa de porta-voz para comunicar-se
com o espírito, precisa apenas de um tradutor que mantenha a verdade
incorruptível. Não é para haver tradução livre, é para haver tradução
literal, pois o mundo é literal, é concreto e é por isso que o espírito
quer conhecê-lo, pois o Eu Profundo não é literal, mas abstrato, fugindo
de qualquer padrão identificado pela mente.
Deste modo, quem insiste em querer dissipar o ego está vivendo uma
fantasia. Sendo o ego uma característica da mente, tudo o que for do
pensamento parte inevitavelmente do mesmo princípio: o
pequeno eu.
Portanto, a ação em si já uma característica “corrompida” pela mente,
impedindo que haja a separação, tão aclamada pelo pseudoconsciente,
entre seu Eu Profundo e o ego. Matá-lo então é um pensamento tolo.
O ego não pode ser morto, pois não existe, é a ilusão de identificação com algum conceito que você criou de si mesmo(personalidade, corpo, status, etc.). Quando você diz que vai matar o ego, é o
próprio falando. Quando você diz que se tornará superior ao ego, é o
próprio falando. Quando você diz que vai lutar contra ele, é o próprio
falando. Qualquer mentalização provém do ego. O que está além é a
vontade pura, sem pontes para a expressão. É algo que não se descreve,
não se fomenta e não se põe em movimento linear.
Portanto, matar o ego é impossível, ele sempre existirá, a não ser num
estado da não-forma, no estado da divindade em si, do espírito, do total
abstrato e subjetivo. Enquanto houver antropomorfização do espírito, a
mente persistirá.
O que se deve fazer é harmonizar a mente, o mundo e o Ser. Esta trindade
deve novamente ficar em equilíbrio, assim como ocorria na tenra
infância em que o intelecto não estava presente, ou seja o
intermediário, mas tão-somente o tradutor. A maturidade espiritual
consiste em trazer de volta o tradutor, porém agora preenchido de
consciência de si e de seu papel na evolução da matéria e na experiência
do Eu Profundo.
Pois aquele que mesclar a inocência de uma criança com a consciência de
um adulto estará enfim liberto das amarras do mundo. Terá finalmente
sublimado
Maya.
Compreenda algo de extrema importância: inteligência não tem nada a
ver com conhecimento. Adquirir conhecimento é tornar-se instruído, mas
não necessariamente inteligente. E veja que aqui eu nem me refiro à
sabedoria, esse é outro nível. Instrução e inteligência são aspectos
totalmente diferentes do entendimento humano.
Acumular
conhecimento desvairado é um atributo de quem não conhece a si mesmo.
Mais que isso, é um atributo de quem acha que sabe quem é. Não se trata
de compreensão, trata-se de interpretação de informações concretas,
uma vez que a raiz de qualquer conhecimento adquirível por vias
materiais é constituída de objetivismos.
E não importa
que haja pretensas abstrações em determinadas ideias filosóficas; em
havendo a transcrição, haverá também uma perda quase integral do
atributo original. Logo, qualquer conhecimento que possa ser aprendido
pela mente concreta é contraído e limitado, pois assim é o pensamento.
Então,
a principal diferença entre alguém instruído e alguém inteligente é
que o primeiro, para saber o que sabe, procura ler 10 mil livros, mas o
segundo aprendeu a buscar o conhecimento diretamente da fonte; por
isso, mantendo-se em constante evolução, poderá tornar-se um sábio algum
dia.
Não me refiro ao conhecimento apenas
intelectual, vou muito além do intelecto. Falo da concepção universal
do que é ter verdadeiro conhecimento, verdadeira inteligência e
verdadeira sabedoria. Refiro-me ao saber baseado no autoconhecer e no
autovivenciar que, para o mesmo efeito, leva cedo ou tarde ao
conhecimento exterior que mais se aproxima daquilo que constituímos
como verdade. Aqui, a sabedoria então pode ascender.
Mas
isso só poderá vir quando o indivíduo perceber que o conhecimento não
está em sua mente. Esse é o grande truque. Enquanto o intelectual busca
ler tudo o que puder, o sábio acessa tudo aquilo de que ele precisa
diretamente dos registros coletivos da consciência humana. E isso só
pode se dar quando há espaço suficiente para a manifestação da
intuição, do sopro do
Eu Profundo.
Aquele em
busca da sabedoria compreende que todo o conhecimento adquirido em vida
se perde no momento da morte. Todos os diplomas, cursos,
reconhecimentos, prêmios, conquistas, tudo isso se torna apenas uma
partícula singular. Compreender isso é libertador, pois se entende que a
busca
exacerbada por conhecimento é desperdício de energia.
O
conhecimento não está na mente, e isso é algo que pode chocá-lo. E eu
lhe proponho apenas uma pequena meditação a respeito, pois sei que isso
fará todo o sentido para você. A mente é apenas um referencial, um
guia. O pensamento não nasce na mente física, assim como tudo o que
aprendemos não fica nela armazenado.
Você, como divindade, sabe tudo. Mas você, como
pequeno eu, não tem consciência disso.
Logo, como
pequeno eu,
você tenta compensar esse esquecimento lendo e estudando
desesperadamente para aprender tudo o quanto for possível, quando o
mais sábio e eficaz seria tornar-se consciente e reconectar-se com seu
lado divino que tudo sabe, tudo vê e tudo entende.
E é justamente por não compreender isso que você, ainda achando que é o
pequeno eu,
sofre, pois não compreende as coisas, se enraivece, pois não sabe como
lidar com as pessoas e se magoa, pois não consegue entender a si
mesmo. Seu estado de inconsciência produz uma avalanche de
mentalizações em forma de flagelos.
Então,
o grande lance
é você deixar de lado essa ânsia por compreender tudo. Isso só leva a
muita confusão pelo excesso de informações. Torne-se, ao invés disso,
mais e mais consciente de si mesmo e do seu entorno.
Aos
poucos, você estará derrubando barreiras que impedem que a intuição
aflore. Pois quando ela soprar em seu pescoço, um novo universo estará
ao seu alcance. Você saberá coisas que jamais pensou em conhecer; verá
abstrações tão nítidas como uma xícara de café; começará a entender as
mais complexas questões formuladas até então por sua mente.
Buda - A Superação do Ego